O poeta Roberto Piva foi um agitador cultural intensamente celebrado, polêmico e visionário. Desde os anos de 1960, adotou procedimentos de escrita próprios das vanguardas do século XX e os mobilizou em função de preocupações e temáticas características da sociedade brasileira.
A Biblioteca Roberto Piva é um projeto que busca conservar e disponibilizar ao público interessado o acervo pessoal do poeta Roberto Piva, falecido em São Paulo em 2010, difundir a obra desse poeta e contribuir para a qualificação do debate literário no Brasil.
Foi idealizada no final de 2015 por Gabriel Kolyniak e Gustavo Benini, com o apoio de Roberto Bicelli e Claudio Willer. A princípio, os livros do poeta ficaram guardados num escritório mantido por Gabriel Kolyniak e Vanderley Mendonça em São Paulo, no Largo do Paissandu, 72, conjunto 1603.
Em 2016, os dois editores passaram a manter uma parceria com o Estúdio Lâmina, criando um espaço de encontros literários chamado Biblioteca Roberto Piva, no Palacete Bertolli, prédio localizado no número 108 da Avenida São João.
Para dar início a essa empreitada, foi promovida uma campanha de financiamento coletivo, usando para isso os serviços do site Catarse. Neste período, a iniciativa ganhou destaque em alguns veículos de imprensa. Foram organizados alguns encontros e eventos nos quais os componentes do grupo apresentaram o projeto e divulgaram a necessidade de receber apoio financeiro para a iniciativa.
O valor recebido no processo de financiamento coletivo, R$ 13.600,00, foi suficiente para pagar 6 meses de aluguel da Biblioteca, além de viabilizar a construção de uma grande estante para abrigar o filão literário do acervo.
Teria início um período de intenso trabalho com o acervo, que mais tarde viríamos a descobrir ser possivelmente um trabalho sem fim determinado. Organizar, desmontar, reorganizar, mudar de sala, mudar de andar, mudar de prédio foi algo frequente no percurso da biblioteca, e mesmo nos períodos de estabilidade, várias possibilidades de organização foram experimentadas, abandonadas e tudo foi recomeçado várias vezes.
Na metade do segundo semestre de 2016, o grupo envolvido no cotidiano da Biblioteca Roberto Piva passou a se dedicar a algumas atividades de divulgação da iniciativa e também a um cotidiano de encontros, trocas, parcerias e criações.
Um desses projetos em colaboração foi uma instalação no corredor do Estúdio Lâmina, no quarto andar do prédio onde estava a Biblioteca.
Gabriel Kolyniak e a poeta, pesquisadora e documentarista Jade Rainho fizeram uma série de impressões com trechos de poemas de Roberto Piva usando o pequeno acervo de tipos móveis da Editora Córrego. Em frente à parede onde foram expostas algumas dessas impressões, o grupo Riverão também fez uma intervenção usando recortes de jornal.
No dia 8 de março de 2017, aconteceu o primeiro encontro público no novo local, ao qual estiveram presentes vários amigos que já vinham acompanhando a evolução do projeto e também pessoas novas, das quais algumas tornaram-se amigas e frequentadoras da biblioteca.
A prática de organizar longas sessões de leitura de algumas das obras guardadas na biblioteca durante a noite tornou-se o motor do funcionamento da biblioteca. Formou-se um grupo de leitores que passou a se encontrar semanalmente, o que se manteve pelo resto do ano de 2017 e se prolongou em 2018.
A pesquisadora Kelly Koide escreveu um artigo para a revista Gis sobre os encontros de leitura da Biblioteca que pode ser lido neste link.
Em 2017, aumentou a proximidade do escritor e filósofo Raul Fiker com as atividades da Biblioteca Roberto Piva e da editora Córrego. Esse processo começou durante o lançamento da segunda edição de Antes que eu me esqueça, de Roberto Bicelli, na Tapera Taperá, em 27 de junho de 2017. A primeira edição do livro do Bicelli havia sido publicada pela Feira de Poesia, de Claudio Willer, em 1977, com ilustrações de Guto Lacaz.
O equivocrata, de Raul Fiker, havia sido publicado por Massao Ohno, em 1976. Foi combinado que a Córrego também relançaria o livro O equivocrata. A essa nova edição foram acrescentados poemas do Fiker, publicados na primeira edição da revista surrealista A phala, de 1967.
Raul Fiker tornou-se parte do cotidiano da biblioteca em 2017. Além de frequentar constantemente o acervo, ele aceitou tomar parte, em 11 de julho de 2017, de uma das sessões de leitura, na qual O equivocrata seria lido integralmente, sem interrupções. A leitura aconteceu normalmente, e durou cerca de 3 horas. Em 14 de setembro seria enfim relançado O equivocrata.
Na semana seguinte, houve uma sequência de eventos comemorando dos 80 anos de Roberto Piva, que nasceu em 25 de setembro de 1937. Foram encontros e palestras na Casa das Rosas, na Biblioteca Mário de Andrade e na Funarte-SP.
Neste período, o projeto da Biblioteca Roberto Piva encontrava cada vez mais força e colaboradores em seu entorno imediato. O ano de 2017 se encaminhava para o fim, quando houve mais uma boa notícia: o projeto que havia sido escrito em parceria com o Estúdio Lâmina para o ProAC, contemplando atividades artísticas e literárias tanto do Estúdio Lâmina quanto da Biblioteca Roberto Piva, foi aprovado em um edital do ProAC, da Secretaria de Cultura do Governo de Estado de São Paulo, na modalidade Território das Artes. Com isso, teríamos um importante alívio financeiro, já que o aluguel do espaço onde estava instalada a Biblioteca, depois do período que foi coberto pelo financiamento coletivo, era custeado pela Editora Córrego e por apoiadores individuais. Com o dinheiro do edital, seria possível pagar parte das salas do Estúdio Lâmina, inclusive aquela onde estava instalada a biblioteca. Além disso, seria possível remunerar os colaboradores, que já faziam parte do projeto mesmo sem ter ganhos financeiros com isso.
Uma notícia inesperada, no dia 26 de dezembro de 2017, traria mais uma reviravolta na nossa história. Raul Fiker havia morrido num acidente. A notícia nos pegou desprevenidos, ainda mais considerando a velocidade dos acontecimentos daquele período. Aquilo ficou reverberando em nós por alguns dias, até que nos primeiros dias de 2018 o André Fiker, filho do Raul Fiker, entrou em contato com Gabriel Kolyniak. Ele assim explica a decisão de doar os livros de Raul Fiker à Biblioteca Roberto Piva: "admirava o trabalho que estava sendo feito por Gabriel em relação às leituras, das quais meu pai falava com gosto e frequência, e ao acervo do Piva. Seria impraticável ficar com os livros para mim, mas muito doloroso desfazer aquele aglomerado de escolhas que meu pai dedicou décadas para fazer e explorar. A sugestão de um amigo para dar os livros para o Gabriel expandir o acervo me salvou dos dois problemas."
A retirada dos livros do apartamento de Raul Fiker se deu logo nos primeiros dias de janeiro de 2018. Os colaboradores voluntários da Biblioteca Roberto Piva se reuniram e viabilizaram a retirada de todos os livros em apenas uma tarde. A quantidade de livros no acervo de Raul Fiker era semelhante à quantidade de livros do acervo de Roberto Piva, o que significa que a Biblioteca Roberto Piva subitamente dobrou de tamanho. Começávamos o ano de 2018 reunindo o acervo de dois amigos, e ainda tínhamos a tarefa de realizar, em parceria com o Estúdio Lâmina, o plano de atividades previsto pelo projeto aprovado no ProAC.
O programa de leituras coletivas de poesia, como método de exploração do acervo da Biblioteca Roberto Piva, já estava bem estabelecido àquela altura como a principal prática da Biblioteca Roberto Piva. Com o desenvolvimento das atividades previstas pelo projeto aprovado em edital, essa prática ganhou novos contornos. Essas reuniões não eram mais apenas um encontro informal entre amigos, mas parte de um programa de atividades fomentado pela Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo. Isso levou a algumas transformações na rotina dos encontros, como a necessidade de solicitar aos participantes que assinassem uma lista de presença e o hábito de gravar as leituras, tendo em vista um possível uso para divulgação.
(Continua. Em processo.)